domingo, 12 de fevereiro de 2012


O amor acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio.
Acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar.
De repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas.
Na acidez da aurora tropical, depois duma noite voltada à alegria póstuma, que não veio.
E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuto como dois polvos de solidão. Como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado.
Na insônia dos braços luminosos do relógio.
E acaba nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos.
E no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão.
Às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres.
Mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia.
No andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar.
No epifania da pretensão ridícula dos bigodes.
Nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas.
Quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar.
Na compulsão da simplicidade simplesmente.
No sábado, depois de três foles mornos de gim à beira da piscina.
No filho de tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores.
Em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto de desejo.
E o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir.
Em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero.
Nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada.
Em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba.
No inferno o amor não começa.
Na usura o amor se dissolve.
Em Brasilia o amor pode virar pó.
No Rio frivolidade.
Em Belo Horizonte, remorso.
Em São Paulo, dinheiro.
Uma carta que chegou depois, o amor acaba.
Uma carta que chegou antes, e o amor acaba.
Na descontrolada fantasia da libido.
Às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.
E muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros.
E acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque.
No coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor.
E acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados.
E acaba depois se viu a bruma que veste o mundo.
Na janela que se abre, na janela que se fecha.
Ás vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo.
Ás vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido. Mas pode acabar com doçura e esperança.
Uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor.
Na verdade.
O álcool.
De manhã, de tarde, de noite. Na floração excessiva da primavera.
No abuso do verão.
Na dissonância do outono.
No conforto do inverno.
Em todos os lugares o amor acaba.
A qualquer hora o amor acaba.
Por qualquer motivo o amor acaba.
Para recomeçar em todos os lugares e a qual quer minuto o amor acaba.


Paulo Mendes Campos.